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Dog

Entrei no hotel embaixo de chuva. Enquanto caminhava pra minha acomodação cruzei com um homem e uma mulher que estavam sendo guiados pelo recepcionista. Ela comentava sobre a suíte que acabara de ver, tinha gostado, mas ainda não estava muito convencida.

 

ELA:
Posso ver a suíte luxo também?

Não sei se isso é comum, a pessoa sair olhando o hotel pra ver se ia ficar e escolher a suíte que queria. Mas pelas centenas de vezes que fiz check in em hotel, foi a segunda vez que vi isso acontecer. Segui meu caminho.

 

Na manhã seguinte descobri no café da manhã que ela e o rapaz resolveram ficar por ali. Havia outro homem com eles, um gringo, falando francês, chic. Ela conversava em português e inglês com ele e algo me chamava muito a atenção nela, porque sabe aquelas pessoas que vivem com o nariz franzido, como se estivessem eternamente chupando uma laranja azeda, mas forjando uma simpatia? Talvez ela estivesse com o nariz irritado, porque instantes após eu reparar isso ela suspirou, chamou a atenção dos rapazes que a olharam na pausa dramática e espirrou.

 

Bem!na!cara!do!gringo!francês!

Sem graça, ela começou “Sorry, sorry, ai sorry”, mas como se fosse cotidiano e natural acontecer aquilo. O gringo passava a mão no rosto e não sei como ele não saiu correndo ao banheiro pra se lavar. Eu teria levantado na hora pra me limpar e ainda iria tateando, pro espirro não entrar nos meus olhos. O outro rapaz estava imóvel, embasbacado, sem saber o que fazer ou como agir. Até errei a mordida do mamão esperando pra ver se ninguém naquela mesa ia incentivar o gringo a ir lavar o rosto. E se ele, por estar envergonhado de sair pra lavar ia segurar a barra, aguentar firme a sensação de nojo, pra não mostrar que estava com nojo, e assim evitar que a mulher ficasse mais desconfortável, porque ele, não é possível que ele estivesse bem e confortável com aquilo. Um gentleman.

Percebi que não era irritação o nariz franzido da mulher porque continuava como se estivesse chupando uma laranja azeda, com o sorriso que forjava simpatia. A boca dela não fechava nem pra mastigar, os dentes tampavam o interior da boca, mas a boca não se livrava do sorriso.

Ela atendeu o telefone e enquanto os dois homens tentavam se entender ela falava mais alto ainda. Mesmo se eu não quisesse ouvir a conversa não teria jeito. Como eu queria, ouvi sobre o dog dela.

ELA:

O dog tá lá, as vezes fica animado, as vezes deitado o dia todo... Aiaiai, não posso levar o dog comigo. Ele não quer ir, querida irmã. Você fica falando que tô cansada do dog, mas é ele que prefere ficar com vocês. 

Já comecei a imaginar o tadinho do dog fazendo manha: seria um labrador branquinho, ou um vira lata cor de mel, um shih-tzu bigodudo? Onde ele estaria agora, com a querida irmã ou sozinho, olhando pra ração? A mulher continuava…

ELA:

Eu to viajando bastante, quero curtir e ele tem hora pra tudo, pra dormir, pra comer, tudo tem que ser na mesma hora de sempre e eu não tô conseguindo cuidar dos horários dele. 

Era um cachorro sistemático, ou simplesmente habituado. Fiquei atento, visivelmente a mulher não queria mais a responsabilidade de ter que mudar seus dias e suas viagens pra cuidar do dog.

ELA:
Até queria levar ele junto pra viajar, mas ele não quer.

Como assim ele não quer, gente?

ELA:

É, ele me disse: Quero ficar na casa da Suellen! Lá eles não ficam saindo toda hora. É isso, ele que não quer ficar comigo, querida irmã...

De novo errei a mordida do mamão, que ainda nem tinha conseguido acabar de comer. Permaneci como uma estátua pra não perder nenhum detalhe, atento na conversa, embasbacado igual o moço da mesa deles quando a mulher espirrou na cara do gringo, ao  descobrir que dog, na verdade, era o pai dela. Bom dia.                           

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