PREFÁCIO
Roberto Andreoni
Nas últimas décadas, a temática das pautas identitárias vem ganhando cada vez mais espaço. É significativo o número de trabalhos que vem surgindo tanto nas áreas das ciências humanas quanto na literatura, no teatro, no cinema. Reflexões ligadas ao racismo, ao feminismo, às questões de gênero e à sexualidade, cada vez mais contribuem para mudanças tão urgentes nos dias de hoje. O livro de contos de Zé Guilherme, Não te esqueças! segue o fluxo dessa corrente libertária. Mas como todo autor é um universo próprio, singular, formado por suas experiências únicas de vida, seria um erro reduzi-lo somente a este contexto histórico e político. É aí que vem as marcas distintas do escritor. As histórias que se seguem também dizem respeito aos dramas do ser humano, àquilo que sentimos simplesmente por estarmos vivos. A descoberta de si, as inseguranças, o amor, o sexo, o medo, a repressão e sobretudo o desejo e a paixão são marcas que todos nós experimentamos em nossas vidas. Nós e nossas intrincadas relações com o ‘outro’ é algo que atravessa as personagens dos contos de Zé Guilherme. Todos de alguma forma estão sendo movidos por seus desejos, ora mais explícitos, ora mais escondidos, mas ainda sim o desejo sempre presente. Do mesmo jeito, as histórias refletem os caminhos necessários e os enfrentamentos ou recuos diante da descoberta de quem se é, e do que se quer. O título parece nos apontar para isso, Não te esqueças!, ou seja, não se abandone, descubra-se, experimente-se: um imperativo imposto pela própria vida. Os obstáculos de tal descoberta obviamente são difíceis e os finais nem sempre são felizes, mas a luta, sim, o jogar-se no mar bravo sendo fiel a si, à tentativa, ao menos, de ir para além dos padrões impostos, dos valores conservadores, das repressões a que todos nós estamos submetidos. Além disso, a escrita de Zé Guilherme é leve, fluída e, poderia até se dizer, imagética, isso dado a experiência do autor com o teatro. Alguns recursos da dramaturgia são claros, como a referência do nome das personagens antes de suas falas, assim como as trocas de mensagens via WhatsApp, que aparecem no texto como um recurso que nos aproxima mais da realidade, estreitando os laços entre a escrita e o leitor. Por fim, há também a indicação de músicas em todos os contos, o que cria uma atmosfera propícia ao sentimento que o autor busca despertar em nós. Sem mais delongas, saboreiem as palavras de Zé Guilherme.
Roberto Andreoni é professor doutor em história, psicanalista e escritor.