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Proibido se apaixonar
nesse carnaval

Está chegando o dia de combinar look com a melhor amiga, um pra cada dia de folia. Dias de passar muito glitter no corpo, caçar rolê bom e de graça, fazer uma listinha dos bloquinhos, atualizar as músicas e playlists para esquentas, afters e dates privados (vai que surge algum né?). Prepara a bag! Ou a bagunça. É hora das pessoas se vestirem com fantasias escandalosas e dançarem nas ruas. É também um momento pra deixar de lado suas inibições.

 

Mas atenção: é proibido se apaixonar nesse carnaval. 

 

Todo envolvimento de carnaval dura e deve durar o tempo do bloco passar. Sempre acontece: a pessoa que estava te agarrando, desaparece repentinamente sem se despedir ou dar o @. Carnaval é quase sempre assim, e se você se envolver demais, pode acabar se machucando. Isso sem falar que na maioria das vezes aquele match perfeito geralmente é de outra cidade, ou está no vale day de um relacionamento aberto e vocês vão de qualquer forma ficar separados, cada qual fazendo sua vida, cuidando de seus próprios gatos ou de suas próprias plantas.

 

Lanço aqui uma previsão. Em alguma cidade aí vai acontecer essa situação aqui, pois que histórias trágicas tem pra todo lado:

 

Tarde quente de verão, avenida enfeitada, bloquinho na rua e a cidade cheia de foliões de abadá, samba canção e tirante. Alguns mais ousados, com fantasias curiosas e engraçadas. Sempre tem a dupla de héteros vestidos de mulher, se realizando por usarem saia e cropped. Vou mudar o tempo verbal agora pra imaginar o presente desse futuro.

 

Dois jovens caminham no meio da multidão, rindo e brincando um com o outro, assim, de longe. Os dois fizeram a clássica de se perderem do grupo de amigos e aí se encontram. Um deles usava uma coroa de fitilhos na cabeça, enquanto o outro, eu, estava de camiseta regata, cap de marinheiro e cheio de glitter. 

 

Ele dança com bastante entusiasmo, sorrindo com aquelas covinhas adoráveis. A gente se aproxima cada vez mais - eu posso sentir o cheiro da colônia dele, que é meio doce, mas também masculina. Ele cheira a sei lá… chuva. O que é um alento nesse calor. Ele pergunta:

 

   DESCONHECIDO

   Como é seu nome?

 

Eu resolvo fazer joguinho e digo:

 

   EU

   Montecchio. 

   DESCONHECIDO

   Montecchio?

   EU

   É. Montecchio. E você?

E ele responde: 

   DESCONHECIDO

   Capuleto

Sorrisos. A resposta estava correta, corretíssima. Alguém que se apresenta como Montecchio e o outro se reconhece como Capuleto? Seria possível, no meio do bloco de carnaval encontrar alguém que conheça Romeu e Julieta, de Shakespeare? Mas uma resposta poderia ser decisiva.

   MONTECCHIO

   Em quem você votou?

   CAPULETO

   Lula.

Sorrisos. A resposta estava correta de novo. Eu pego na mão dele. Você sabe como foi o primeiro beijo de Romeu e Julieta? Foi mais ou menos assim: abro a palma da minha mão, pedindo a dele. Palma com palma, olhos nos olhos, ambos aguardando o primeiro impulso de alguém e esquecendo todos em volta que os empurram em meio à dança. Tento encontrar o texto da fala de Romeu, lembro de algumas partes e digo:

   MONTECCHIO

   Deixa que esta boca mostre o caminho certo aos corações. Em tua boca santa absolvo a minha dos meus pecados.

Eu o beijo. Ele corresponde. Depois diz:

   CAPULETO

   Agora minha boca está com todo o seu pecado.

   MONTECCHIO

   Então, me devolve.

O beijo de novo. Meu sorriso fica radiante, como se tivesse acabado de ser beijado pelo próprio sol. Ele fica com o rosto infestado de glitter vindo de mim.

De repente um amontoado de gente ao nosso redor começa a se empurrar, porque dois caras brigam. A gente se afasta, para numa praça, o bloco passa e nos deixa ali, a sós. Já noite me vejo sentado no chão, encostado na parede, conversando com esse cara, o tal do Capuleto que bebia o último gole da sua bebida, depois de me beber em tantos beijos, de me apertar em tantos amassos e se reconhecer em mim, em tantas afinidades. Eu dou a ele uma rosa de tecido que caiu de alguma tiara de flores que encontrei e guardei. Ele suspira e me puxa pros seus braços.

   CAPULETO

   Ai, que fofo. Minha flor favorita. É minha marca.

   MONTECCHIO

   É? Combina com você.

   CAPULETO

   E você, vai me dizer seu verdadeiro nome?

   MONTECCHIO

   O que tem num nome? Aquilo que a gente chama de rosa, mesmo com outro nome, ia cheirar bem igual.

Logo, uma garota chama a atenção: ela tem longos cabelos ruivos que caem pelas costas em cachos, seus olhos brilham intensamente e ela usa um vestido feito de folhas que a faz parecer uma princesa elfa. Nós a observamos enquanto ela dança e canta junto com seus amigos - uma música sobre como o amor pode tornar tudo melhor se você acreditar que isso vai acontecer.

   ELFA RUIVA

   If you believe, 

   then you can achieve.

   If you believe, 

   then you can achieve anything.

   I believe in love and that's why 

   I know it will make everything better.

Algo assim, uma música que ela mesma inventou, acredito eu. Sorrimos um pro outro em silêncio; então Capuleto estende a mão pra mim e aperta a minha suavemente.

   CAPULETO

   Você não entendeu o que está acontecendo aqui.

   MONTECCHIO

   Você está errado! Estou tão feliz que você esteja aqui.

Ele me puxa de novo. Eu deito e me aconchego e sussurro enquanto escrevo no braço dele com meu lápis-dedo:

   MONTECCHIO

   Montecchio… underline… e… underline… Capuleto… ponto… gay. (Montecchio_e_Capuleto.gay)

   CAPULETO

   Nos encontramos.

   MONTECCHIO

   O amor procura o amor, assim como o estudante foge da escola…

   CAPULETO

   O que me preocupa é que essa história durou 5 dias.

   MONTECCHIO

   Não estamos aqui nem há cinco horas… Temos a noite toda…

   CAPULETO

   A noite toda tem apenas mais oito horas. Não queria que tivesse fim…

   MONTECCHIO

   E você já tá falando do fim, sendo que isso ainda nem começou.

É uma noite como qualquer outra de carnaval, a ordem da vez ainda continua sendo “proibido se apaixonar nesse carnaval”, mas o desejo intenso me move em direção a Capuleto. Ele me convida pro seu carro e a gente se… Bem… É a parte que Romeu sobe no balcão e entra no quarto de Julieta. Depois da dança dizemos mentiras sinceras um ao outro, enquanto Júpiter ri das nossas falsas promessas. Como Romeu, eu vou embora, fugindo. Saio do carro e parto. De Capuleto, não sobra mais notícia nessa noite, mas deixei o whats anotado no celular dele. No dia seguinte ele me procura, me cobra bom dia e que eu diga meu estado. Opto por não salvar o contato, com medo de aparecer outro nome e eu não reconhecê-lo mais. Durante esse dia ele me presta cuidado à distância, marcando presença. Ele não ia em bloco, porque ia trabalhar, eu fui e não parava de pensar. Trocamos muitas mensagens e não consegui largar o celular, mas estava contente. Só queria que chegasse a noite pra que a gente pudesse se falar. Nos encontramos de novo, debaixo do brilho da lua, em algum lugar na rua, deserta e suficientemente escura. 

Chega a quarta-feira de cinzas e eu fico aflito, pensando no Capuleto, que nem ao menos sei o nome verdadeiro. Ele já foi embora pra sua cidade. Fico com aquela angústia de estar longe, querendo estar perto, mandar mensagem, ficar junto. Dele, só resta glitter - na gaveta de talheres, que nem sei como veio parar, no guarda roupas e até na minha escova de dentes. E eu aqui, nesse fim de carnaval, apaixonado.

(Sugestão de música: Cinzas, de Grupo Galpão de Teatro)

Giordano Dantas, o Montecchio dessa história.

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