Sonso estava, sonso ficou
José Guilherme & Gabriel Rollemberg
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Oi, eu sou roteirista de AV em uma empresa. Pra quem não conhece, nem vou contar mais agora, vou deixar você descobrir durante esse relato, porque a minha profissão me traiu. A equipe da minha sala de roteiro foi crescendo, até que não coube mais todo mundo onde estávamos. Fomos realocados pra outra sala. Problema que era conjunta com o pessoal macho escroto do TI (desculpe pessoal do TI que não se encaixa, mas nessa empresa parece pré-requisito do setor). A própria Chernobyl aquela sala. Esses caras podiam ser como o Takashi. Ele era o único diferente deles, não ficava fazendo piadinha machista. Na verdade ele nem conversava. Ficava sozinho a maior parte do tempo, até pra almoçar ele saía em horários bizarros, porque quem sai pra almoçar às 10 da manhã, gente? É a mesma coisa que comer arroz no café da manhã. Será que isso é normal no Japão?
- Lígia, você que vê mais o pessoal andando por aí, aquele rapaz oriental, ele sempre tá sozinho.
- Chega sozinho, sozinho fica.
Lígia é a copeira que faz o melhor café que existe. Não sei como ela consegue ser curta, grossa e simpática ao mesmo tempo. Aos poucos, na empresa, comecei a tomar mais café por causa dela, e também comecei a reparar mais no Taká, dia a dia. Um dia chegou mensagem no Whatsapp, dei uma espiadinha rapidinho, era a amiga que sentava na minha frente
“Ei, otaku. Esse japinha é muito bonito né?”
Me senti pego no flagra, morrendo de vergonha, porque eu estava justamente olhando pra ele antes.
“Ta muito na cara que tô interessado?”
“Sempre que ele levanta vc olha pra ele.”
É isso. Eu estava afim dele mesmo e decidi que precisava agir! Com minha aptidão pra promover e impulsionar a comunicação interna da empresa pelos roteiros institucionais eu deveria logo conseguir uma comunicação com o Takashi. Porém, nenhum olhar correspondido, nenhum cumprimento. Ele sempre olhava pro chão, pro computador e pras suas próprias coisas. Que fofo! Tímido! Então eu arrumei um pacote de Koala’s March, uns biscoitinhos recheados de chocolate, chamei a Lígia e pedi por gentileza pra ela entregar pra ele quando eu não estivesse perto.
Obviamente passei o resto do dia nervoso pensando em como ele ia reagir. No final do expediente, como não tive retorno dele, nem da Lígia, eu fui perguntar pra ela.
- Sonso estava, sonso ficou.
Vou até fazer uma pausa, pelo tanto que doeu.
(...)
Guardei essa resposta comigo pra sempre. Mas eu não ia desistir, ele era tímido! E eu estava cada vez mais apaixonado. Procurei uma oportunidade pra dizer a ele o que eu sentia, mas na falta falei com a Carla do RH, expliquei pra ela a dificuldade de comunicação com o pessoal de TI, e peguei permissão pra fazer um memorando:
“Trabalhamos a maior parte do tempo com máquinas, nos comunicamos através delas, mas devemos lembrar que somos humanos, e como tais devemos nos tratar, cultivando um bom relacionamento interpessoal, contato entre as pessoas, olhares e cordialidade. Esteja aberto e gere gentileza.”
Foi geral, pra não ser nada muito direto, mas meu alvo era o Takashi, era você Takashi. Está me lendo em algum lugar desse mundo? (Se estiver aproveito pra me desculpar.) Acho que ele não deu atenção nenhuma. Ele não me notava. Nesse tempo fui planejando encontros, que músicas eu ia colocar pra tocar, o que a gente ia comer. Até aprender a fazer sushi eu fui.... E por mais que a gente convivesse todos os dias, quando mais tempo se passava, menos eu sabia dele, e isso me fazia querer saber mais e mais quem ele era. Isso é o que me deixava caidinho.
Nesse tempo minha amiga ficou mais irritada ainda com ele e foi falar com a Carla do RH que nos deu permissão pra um comunicado mais direto. Redigimos um e-mail privativo:
“Bom dia, Takashi. Alguns de seus companheiros de trabalho estão achando você muito impenetrável. Seria interessante se pudesse iniciar uma comunicação com eles, trocar ideias, nem só da função executada se faz o trabalho, temos que valorizar o espírito de equipe. O relacionamento interno é bastante importante.
Certos de que contaremos com sua atenção a este comunicado, desejo um bom início de semana.
Atenciosamente,
Ana Eliza”
Queria mandar ainda: “Um dos meus serviços aqui é otimizar tempo, cara, colabora! Tá emperrando o meu.” Mas isso ficou de fora. E um dia eu estava na gravação de um institucional e minha amiga mandou mensagem:
“Takashi faltou!”
“Que? Não acredito”
Estranhei. No dia seguinte, nada...
- Foi transferido?
Ninguém sabia. Outro dia e nada dele. Entrei em pane. Foi a Lígia que acabou com a minha curiosidade.
- Não sabe não? Foi mandado embora. Lerdo demais. Anti social. A Carla disse. Foi você que fez ela reparar, né? Mas a avaliação dele foi toda ruim.
Engoli duro. Nem consegui me despedir dele (mesmo que de longe). Entrei na sala vazia, olhei pro lugar dele, sentei na cadeira que ficou vaga por minha causa. Impactado, segurei o choro (pelo fim ou de remorso?), peguei minhas coisas, coloquei os fones de ouvido, saí, e guardei com carinho todas as lembranças desse romance que nunca existiu do início ao fim.